sábado, 26 de janeiro de 2013

MARIA DO BAIRRO NO DIVÃ





TEMA: AMORES FAST FOOD



*Tela de René Magritte - Os amantes (1928).


“Relacionamento” é o tema quente do momento e o tópico mais mencionado nas redes sociais. Alguns usuários alardeiam sua sorte com fotos e frases extraídas de rodapés de papel de carta ou excertos poéticos de obras que jamais tencionaram ler na íntegra. Enquanto isso, outros espalham suas lamúrias e fazem do universo virtual uma espécie de confessionário ou divã. É uma verdadeira “overdose” de sentimentalismos que, longe de mostrar uma maior pré-disposição para o amor, apenas evidencia quão frágeis são os laços que unem afetivamente as pessoas.
Nesse contexto, é cada vez mais comum a ocorrência dos chamados “amores fast food”. Grosso modo, chamamos de fast food as comidas rápidas às quais as pessoas recorrem diante da impossibilidade de uma refeição adequada e que, na maioria das vezes, estão repletas de calorias. São “paliativos alimentares”, que nos dão a falsa impressão de saciedade. Entretanto, se avaliarmos seu teor nutricional, veremos que pouco ou nada foi acrescentado ao nosso organismo.
Pois bem... Assim parecem os romances atuais. Supostamente intensos e, na essência, pouco significativos. Atenuam a solidão, mas estão muito longe de confluir paixão, intimidade, companheirismo e união. O amor é, hoje, um sentimento “plastificado”, gerido por conveniências e com obsolescência programada. Resultado: é cada vez mais difícil manter um relacionamento a longo prazo e os níveis de insegurança afetiva crescem a cada dia.
 Confesso que fico assustada diante de indivíduos que, após um breve período de namoro, chamam seus pares de “vida”, escrevem declarações das mais exacerbadas (de alguns murais “pingam” sangue, suor e lágrimas) e fazem questão de tirar fotos de cada momento do casal (inclusive dos mais íntimos) para divulgar no Instagram.  Não basta estar apaixonado, tem que mostrar na net e assim sambar na cara daqueles que permanecem solteiros. É uma estranha necessidade de exposição que se prolonga até mesmo diante do término. Há perfis que podem ser acompanhados como folhetins. Lendo as atualizações sabemos de cada lance emocionante das epopeias amorosas alheias.
Não há espaço para imperfeições e dúvidas. Se o relacionamento não funcionar a contento, basta trocá-lo por outro. Afinal, indivíduos disponíveis existem aos montes em todos os lugares. Há ainda espaços que são verdadeiras vitrinas de solitários. Casas de shows, bares e festas feitas especificamente para solteiros. Basta frequentá-las, avaliar seu público (como mercadorias) e escolher aquele (a) que melhor se adequa às suas necessidades. É o sucateamento do amor. Não serve? Já não me satisfaz? Vai para o lixo! Simples assim.
“Eu te amo” vem sendo usado indiscriminadamente. Eis a chamada “lei do desapego”. É como proclama o refrão de uma canção homônima: “Eu tô pegando mesmo/ Tô praticando a lei do desapego/ Que diz que não preciso me apaixonar/ Pra ser feliz eu não preciso me entregar”. E, enquanto letras assim são cantadas a plenos pulmões por multidões de solitários, a lírica camoniana e a crença na validade do amor permanecem apenas nas mentes de poucos esperançosos vistos pela maioria como iludidos ou sonhadores.
Pobres daqueles que imaginam que a maior rotatividade de parceiros é uma eficaz estratégia de autopreservação! Evitar uma relação estável e duradoura não o torna imune ao amor ou ao sofrimento que dele pode advir. Isso irá aprisioná-lo no vazio universo dos prazeres esporádicos e as relações ocasionais jamais permitirão uma real compreensão do que é expor o coração a nu. Garantias jamais existirão e, se o medo barrar a sua entrega, siga o conselho do escritor português José Saramago: entregue o assunto ao governamento da sensibilidade e ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes.

(Ana Paula Bacelar, 27/01/2013)

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